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Paulinho Feijão: O canto negro pela igualdade racial

“A benção, a benção, a benção”. Essa história começa como termina "Negrume da Noite", uma das músicas mais conhecidas e consagradas do bloco afro Ilê Aiyê. Muitos – e poucos, sabem que um dos grandes responsáveis pelo sucesso do repertório da negritude consciente é Paulo Roberto Vilela dos Santos. O antigo morador de um dos bairros negros de Salvador, o Engenho Velho da Federação, foi quem deu voz e potência a algumas das canções – manifestos por igualdade racial, entoados pelos blocos afros.


Entre disputas tolas pela música top-hit-chata-momesca e revoltas admiráveis contra monopólios que não descem redondo, eu escutei, sob risos largos e reflexões profundas, alguns dos relatos de Paulinho Feijão, um dos tantos perfis azeviches que a negritude baiana criou.


Através do autor do livro Feijão & Samba – história de um cantor de blocos afro, lançado em 2015, em Niterói (Rio de Janeiro) que eu conheci, em tom baianês, a memória que revela a trajetória artística e pessoal de Paulinho do Feijão em duas das instituições que constituem um dos maiores patrimônios afetivos dos negros e negras da Salvador: o Melô do Banzo e o Ilê Aiyê.




Mais do que ser a coisa mais linda de se ver, os blocos afros foram e são um dos grandes responsáveis pela manutenção de famílias, de histórias, de sonhos e da existência da arte negra carnavalesca. E foi no canto deste filho de Oxóssi, "assentado no nagé; de feijoada", como ele diz, que a canção "Negrume da Noite" do bloco afro Ilê Aiyê soou pela primeira vez em alto, grave e bom som.


Antes de compor a ala de canto do Ilê por doze anos, Paulinho Feijão foi a voz e o suingue do Melô do Banzo, bloco afro nascido e criado no Engenho Velho da Federação. No circuito da cultura negra de uma Salvador da década de 1980, o cantor, juntamente com amigos, fundou o bloco que tinha o propósito de ser o instrumento de diversão dos moradores da comunidade, mas também de ser a voz na luta contra a discriminação racial e na promoção da cultura negra. O bloco resistiu por quatro anos.


A voz de Paulinho Feijão interpretou canções e transmitiu mensagens numa época em que a população negra não tinha nem voz e nem vez no carnaval de Salvador.


“Geralmente a primeira intenção de um bloco afro é brincar, mas a conscientização cresce com o tempo e em conjunto. E é através dessa conscientização pela música que a gente mantém viva a nossa cultura e identidade”, completa.

Naquela época, os blocos afros, tanto o Melô do Banzo quanto o Ilê Aiyê, eram uns dos principais responsáveis pela manutenção das tradições das festas populares na capital baiana. Era nestas festas que os blocos garantiam, em partes, a sustentabilidade que os levaria ao grande desfile no carnaval soteropolitano, aliado à realização de ensaios e excursões pelo interior e litoral da Bahia.


Os tempos, ainda que passado 30 anos, continuam os mesmos no que se refere à resistência na existência dos blocos afros. “A falta de patrocínio é que deixa os blocos vulneráveis a extinção. Hoje a participação dos blocos nas festas populares não funciona mais. Eu atribuo essa falta de sustentabilidade da negrada com relação aos blocos afros à falta de amadurecimento dos próprios diretores dos blocos. O Ilê, por exemplo, não fez nenhum trabalho para aproximar os filhos dos associados na década de 1980”, analisa Paulinho.



Paulinho Feijão (direita) e o cantor de reggae Jimmy Cliff em uma saída do Ilê Aiyê no carnaval de Salvador. Foto: Arquivo Pessoal
Paulinho Feijão (direita) e o cantor de reggae Jimmy Cliff em uma saída do Ilê Aiyê no carnaval de Salvador. Foto: Arquivo Pessoal

De Feijão a Ganaê


Nos encontros animados do Melô do Banzo, depois de uma bebedeira que resultou em um cochilo num nagé de feijoada, Paulinho herdou o “sobrenome” Feijão. Foi nesse espaço que ele ganhou a experiência vocal para continuar exercendo a arte que alimenta a alma. Em 1993, o cantor se retirou da ala de canto do Ilê Aiyê por “falta de acordo entre as partes”. Antes de partir do Curuzu rumo a Niterói, no Rio de Janeiro – onde vive há 25 anos, Paulinho transitou pela música afrocaribenha como cantor oficial da banda de salsa e merengue Rumbahiana, grupo que, segundo ele, aprimorou seus arranjos vocais para uma carreia solo adiante.


É neste momento de transições que Paulinho decide adotar um novo sobrenome artístico que o identificaria em seus novos caminhos: Ganaê, extraído da música "Gana" do Ilê, canção composta por Lima e defendida por ele em um dos festivais do bloco. A música saiu vitoriosa, assim como o renascimento do novo Paulinho.


Já no Rio de Janeiro, criou o estúdio Toca do Caboclo, para, entre outras coisas, dar aulas de percussão, bateria e violão. O professor Paulinho Ganaê se formou na Escola de Música Villa-Lobos para aprimorar a parte harmônica de seu conhecimento na música, “já que a parte rítmica a gente traz de berço”.


O cantor, atualmente de reggae e sempre de blocos afros, é um dos tantos exemplos de que a invisibilidade social é antagônica à memória afetiva e à raiz da cultura negra baiana e de seus personagens. No nosso universo de beleza do canto brasileiro, a negritude em forma de canções quer: Passar!



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