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Mãe Aíce: A senhora das matas que cuidava da rainha das águas

É no dia 02 de fevereiro que saberemos se Iemanjá ficou zangada ou não. A quizila pode ter origem em uma mudança nada costumeira, afinal foram nos últimos 25 anos que a responsabilidade pelas obrigações religiosas para a tradicional Festa à Rainha do Mar era de Mãe Aíce de Oxóssi.


Nesta data, até 2015, a Ialorixá do Terreiro Odé Mirim já tinha dado início ao preparo das comidas que seriam oferendadas aos orixás antecedendo à grande festa. A troca de responsabilidades foi anunciada sem formalidades pelo presidente da Z-1: “eu fui na colônia de pescadores e ele simplesmente me disse que esse ano eu estava fora, que outra pessoa faria as obrigações”, conta.


A senhora filha de Oxóssi, na sabedoria de seus 80 anos, 60 deles dedicados ao Candomblé, ouviu o comunicado com a serenidade característica das grandes sacerdotisas religiosas. “Eu disse a ele que tudo bem, eu já tenho bodas de prata na festa de Iemanjá mesmo. Se a nova mãe de santo fizer tudo direitinho e Iemanjá aceitar, por mim tudo bem. Melhor do que eu fazer as coisas zangada, de coração fechado”, disse-me ela numa tarde de quarta-feira.



Mãe Aíce no barracão de seu terreiro, o "Odé Mirim", localizado no Engenho Velho da Federação. Foto: Iracema Chequer / Agência A Tarde

Pelo visto se depender de Mãe Aíce, Iemanjá não ficará zangada com ela: no dia 01 e 02 de fevereiro, dois balaios saem de seu terreiro, localizado no Engenho Velho da Federação, em direção ao Dique e ao Rio Vermelho, levando os presentes de Oxum e Iemanjá, respectivamente.


Eu fazendo a obrigações na minha casa, Iemanjá não vai ficar zangada comigo né mesmo? Eu não quero ela zangada comigo, disse sorridente.

O enredo de Mãe Aíce com Iemanjá começou em 1991 num concurso para escolher a mãe de santo que faria as obrigações da festa. Ela concorria com mais duas ialorixás e a escolhida ficaria responsável pela parte religiosa por três anos, quando haveria outro concurso. O que Mãe Aíce não esperava é que sua responsabilidade e aceitação por parte de Iemanjá e dos pescadores fossem durar 25 anos.


Em time que está ganhando não se mexe. A máxima guiou o pensamento dos pescadores, que viram na entrada de Mãe Aíce, a calmaria das águas e a fartura de peixes. Desde então, aboliram o concurso. A Ialorixá conta que a relação com a rainha das águas salgadas e com os homens que sobrevivem do alimento ofertado por ela teve seus momentos conflituosos.


Em um desses, por pouco ela não morreu afogada, quando ia colocar o presente de Iemanjá em suas águas. A vontade de renunciar ao cargo quase levou a Mãe Aíce para debaixo d’água. Ela conta que a vontade apareceu graças ao tratamento grosseiro que lhe era cedido gratuitamente pelo presidente da colônia.


“Quando eu cheguei no meu terreiro, meu Oxóssi me pegou e me disse que eu quase me afoguei porque Iemanjá ficou revoltada quando eu disse que não queria fazer mais o presente dela. Eu me zanguei porque o presidente era grosso e desfazia de mim. Eu já uma pessoa de idade, não tenho mais necessidade de passar por isso”, relata a Ialorixá.

Herdeira do Axé


É numa pequena casa verde, com dois ófas (arco e flecha usado por Oxóssi) que Mãe Aíce “bate seu candomblé”. Na morada sagrada, ela recebeu o cargo de Ialorixá – herdado de sua mãe biológica que também era mãe de santo. Depois de 60 anos como sacerdotisa do terreiro de nação angola, mãe Aíce congrega mais de 100 filhos de santo de diversos estados do país. E avisa logo: “aqui em casa não tem nada disso de ficar passando fundamento de candomblé pelo zapzap. Onde já se viu isso!” questiona com indignação.

É fato que os tempos são outros, mas pra quem ficou seis meses de iaô e se criou dentro do Axé: o Candomblé tem que que continuar como era e Iemanjá deve continuar sendo presenteada e respeitada como sempre foi.



Foto antiga do Terreiro Odé Mirim, no Engenho Velho da Federação. Foto: Mapeamento dos Terreiros/CEAO

Perfil publicado em 25 de janeiro de 2016. Mãe Aíce de Oxóssi faleceu em 16 de junho de 2017, de causas naturais.

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