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Lázaro Roberto: O fotógrafo da lente negra

Às vezes ela chega através de um livro, em outras aparece em um debate. Frequentemente ela entra dando um ponta pé na porta e um tapa na cara. A consciência racial pode até ser considerada, por alguns, algo como espírito cívico, mas ela definitivamente não o é, especialmente para aqueles e aquelas que não somente veem, mas enxergam a realidade ao redor. Não poderia ser diferente para Lázaro Roberto Ferreira dos Santos que construiu sua consciência racial através de sua fotografia.


O “Lente Negra”, como é conhecido pelo movimento social, é um homem alto e de voz sossegada. É o tipo de pessoa que usa poucas palavras para falar sobre o seu trabalho; essa parte ele encarrega às mais de 30 mil fotografias que preserva em um espaço de aproximadamente dois metros quadrados, no fundo da casa de número 268 no bairro Fazenda Grande do Retiro, em Salvador, na Bahia.



Nesse pequeno espaço, Lázaro cuida, alimenta e guarda um dos principais e talvez maiores acervos das memórias, lutas e glórias da negritude da Bahia, o Zumvi Arquivo Fotográfico. O passo inicial que daria origem futuramente ao acervo, começou no final da década de 1980, quando ele comprou sua primeira câmera fotográfica.


De lá pra cá, Lázaro cursou fotografia em diversos espaços de renome na capital baiana e fotografou festas populares, a vida na periferia, blocos afros, eventos e mobilizações onde todos os personagens dessas histórias eram não apenas da cor dessa cidade, mas também a resistência e o fio condutor dela.


“Foi só em 1990 que eu percebi que nas minhas fotografias eu tinha esse olhar sobre o negro, porque infelizmente as pessoas nos veem, mas não nos enxergam”, conta Lázaro. Numa época em que o retrato fotográfico sobre a população negra era escassa - quando não apenas etnográfica -, Lázaro lançou mão e olhos para um cotidiano material, simbólico e imaginário de histórias que transpassam o ideal de registro para uma construção documental necessária.





Olhar atento

Quando o racismo buscava dissipar qualquer manifestação de negritude contida na sociedade, Lázaro enxergou reações de afirmação política e, especialmente, beleza. Na série fotográfica que ele dedicou aos cabelos afros que circulavam por Salvador, ele ensaiou as mudanças que estariam por vir, no regaste e manutenção do cabelo crespo. Sem dúvida, o preto no branco de sua fotografia demonstra um resgate da memória, da cultura e espiritualidade ancestrais do negro.


O acervo do Zumvi é composto tanto pelas fotografias de Lázaro, quanto por doações de outros fotógrafos, como a do intelectual negro e militante já falecido, Jônatas Conceição da Silva.


Quase todas as imagens ainda não foram reveladas e/ou digitalizadas por falta de recurso e apoio financeiro, e resistem armazenadas em plásticos documentados por data e assunto. O tempo de vida dessas fotografias é pequeno diante da falta de cuidados e atenção externos. “O nosso maior objetivo hoje é digitalizar essas fotos, tirá-los do formato negativo. Se a gente consegue tirar desse suporte já é um grande alivio, porque o material estará a salvo”.


Sem intervenções que ajudem a resguardar a memória da diáspora negra, Lázaro persiste ano após ano para revelar aos baianos uma fotografia resiliente que sobrevive, como ele mesmo diz, a partir de uma fotografia que fala sobre, para e com o negro a partir do dia 14 de maio, pós-abolição.


Artigo originalmente publicado na Revista Umbu de fotografia contemporânea em novembro de 2016

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